‘Meu corpo tá muito fraco’: Jovem preso ganha direito à liberdade, mas pede para ficar na prisão até o jantar

Um homem de 20 anos, preso pelo roubo de um celular na madrugada do último sábado (4), surpreendeu uma juíza, um promotor de Justiça e uma defensora pública ao fazer um apelo inusitado: logo depois de receber direito à liberdade na audiência de custódia, Luan pediu para ficar na prisão até a hora do jantar, para não “passar mal na rua”. Uma publicação do promotor Luciano Sotero Santiago sobre o caso causou comoção nas redes sociais, e ao BHAZ, ele lamentou a situação e explicou o que levou à soltura do rapaz.

Luan foi preso em flagrante depois de usar uma pequena faca para fazer com que uma mulher entregasse o celular dela, em Santa Luzia, na região metropolitana de BH. A vítima acionou a Polícia Militar, que fez rastreamento na região e encontrou o rapaz com o aparelho. Ele foi preso, encaminhado à delegacia de Polícia Civil e, depois, ao presídio.

Durante o plantão na manhã de sábado, o promotor do MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) manifestou no processo pela soltura de Luan, estabelecendo medidas cautelares para que ele responda em liberdade sem oferecer risco à população.

“Para pedir uma prisão preventiva, cautelar, há alguns requisitos. Não havia indicativo de que ele ia fugir, e não tinha risco de ele destruir uma prova ou ameaçar a vítima, porque já tinha confessado o crime. Ele era réu primário, não tinha antecedentes”, explica Luciano Sotero Santiago. Como condições para responder em liberdade, o acusado deve ser monitorado com tornozeleira eletrônica e comparecer ao fórum mensalmente, além de ser proibido de entrar em contato com a vítima do roubo.

‘Meu corpo tá muito fraco’

Durante a audiência de custódia, realizada de forma virtual já na tarde de domingo (5), a juíza, o promotor e a defensora pública se reuniram com o rapaz. “É na audiência que temos contato com o preso, é muito diferente do papel. Vimos que era um jovem, frágil, e pelo pouco que foi conversado, vimos que ele apresentava algum tipo de sofrimento psíquico”, conta o promotor.

Luan contou que sofria com crises de ansiedade e com dificuldade para dormir. Ele relatou já ter usado medicamentos controlados antes, mas não tinha mais acompanhamento psicológico. Luciano Sotero Santiago solicitou um exame de sanidade mental e pediu o encaminhamento dele para receber tratamento psicológico e psiquiátrico na rede municipal de Santa Luzia, o que foi concedido pela juíza Elâine de Campos Freitas.

Já no fim da audiência, quando a magistrada estava prestes a encerrar a reunião, o rapaz fez o apelo. “Antes de eu ir embora, será que consigo esperar para eu jantar? Meu corpo tá muito fraco, não dormi nada essa noite, vou ter que pegar ônibus para ir embora. Só depois da janta eles me liberarem, para eu não passar mal na rua”, disse.

“Luan, não precisa preocupar, não, isso demora um pouquinho ainda. Pode ficar tranquilo que dá tempo de você jantar”, respondeu a juíza. O promotor do MPMG comentou sobre o espanto que o pedido causou a todos os participantes da audiência. No fim, o jovem foi liberado depois de fazer a refeição no presídio.

‘Sistema que se reproduz’

Luciano Sotero Santiago chama a atenção para aquilo que a situação vivenciada nesse domingo denuncia a respeito do sistema judicial brasileiro. “É uma pessoa que só terá acesso a um tratamento de saúde porque foi presa, e porque há uma ordem de uma juíza para isso. Ela precisou ser presa para poder comer”, aponta.

Para o promotor, o caso não é isolado e esse sistema perpetua a exclusão da população pobre do país, um “sistema que se reproduz”. Ele se espantou ao ver que a fome pode até fazer com que um indivíduo abra mão da própria liberdade.

“Tem muitos presos que encontram no presídio um ‘conforto’: mesmo com a superlotação, as condições insalubres, a falta de acesso ao lazer, lá tem uma cama, tem um banheiro. Igual a esse caso, são milhares no Brasil. É um sistema que fica se reproduzindo, uma máquina de controle social da população pobre”, protesta.

“Se prende, uma hora vai sair. Quando pedi para que ele não ficasse preso, é porque a realidade é essa. Você chega na prisão, corre risco de sofrer abuso, para não sofrer é cooptado e entra para uma facção criminosa, que ameaça sua família… Nesse caso, ele ainda vai responder ao processo, mas em liberdade com as condições determinadas. Estamos aqui para fazer justiça, e não linchamento”, finaliza.

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