Clínica de Imagem é condenada a indenizar paciente vítima de tentativa de estupro

O Instituto de Radiodiagnóstico da Bahia (IRBA) e um técnico em radiologia foram condenados a indenizar uma mulher em R$ 60 mil por tentativa de estupro durante um exame de imagem. O caso aconteceu em 2007, em Salvador. 

A vítima narrou na ação, que, ao entrar em uma sala para vestir sua roupa após o procedimento, observou o técnico de radiologia olhando para ela através da abertura da porta. Ao perceber o olhar, questionou o técnico sobre a atitude e que após isso, o réu não parou de importuná-la. Ele entrou na sala e apertou a garganta da mulher, a beijou a força e tentou manter relações sexuais com a vítima, que ficou com hematomas no corpo. Ela conseguiu sair da sala correndo e pediu ajuda a uma atendente da clínica, mas não obteve amparo do estabelecimento, que não chamou uma viatura policial para o local.

O filho da vítima conduziu a mãe para uma delegacia, onde registrou um boletim de ocorrência. O registro deu início a uma ação penal contra o técnico de radiologia, que, em 2017, foi condenado a dois anos e dois meses de prisão pelo crime. Por conta da tentativa de estupro, a vítima sofreu diversos abalos em sua saúde mental, tendo dificuldade para retornar ao trabalho na ocasião, e que, até hoje tem dificuldade e ir sozinha a clínicas para realizar exames médicos. Ela pediu indenização por danos morais de R$ 300 mil.

O técnico de radiologia, em sua defesa, alegou prescrição do prazo para ajuizamento da ação, tendo em vista que o caso aconteceu em 2007. Apesar de já ter sido condenado na área penal pelo crime, negou que tenha praticado qualquer conduta contra a mulher, de que ela não teria sido assediada, tendo, na verdade, “um surto psicótico”. Já a empresa sustentou que não deveria ser parte na ação civil, já que não participou como parte da ação penal, além de prescrição do prazo de reclamação. No mérito, acrescentou que não deveria ser condenada a indenizar por um ato de um empregado.

Para a juíza Ana Karena Nobre, da 9ª Vara Cível e Comercial, se a instância penal reconheceu a existência de um ato ilícito, “não há mais necessidade, tampouco interesse jurídico, de rediscutir essa questão na esfera civil”. “Se o fato constitui infração penal, por óbvio caracteriza ilícito civil, dado que este último configura grau menor de violação da ordem jurídica. Só restará saber se houve dano e qual o seu valor”, escreveu no início da sentença. A magistrada também pontuou que não há como excluir a empresa do polo passivo, pois o fato ocorreu dentro de suas instalações. Ana Karena assevera que cabia à empresa exercer poder de vigilância para proteger sua clientela. “Fazer exames médicos que demandam que a pessoa esteja despida é sempre um ato de constrangimento, por si só, especialmente quando o exame é realizado por alguém do sexo oposto. Por isso, as clínicas médicas, de um modo geral, têm adotado a prática de colocar alguém do mesmo sexo do paciente para acompanhar o procedimento, de modo a que o exame seja realizado da maneira menos invasiva possível”, sinaliza a juíza. 

A magistrada asseverou que, ao permitir que a vítima ficasse sozinha com o técnico de radiologia, além da exposição da intimidade da paciente pelo procedimento, a empresa “assumiu o risco de impingir dano de maior gravidade à acionante, risco este que se mostrou efetivo, considerada a tentativa de estupro empreendida pelo seu preposto, que somente não foi concretizada por circunstâncias alheias à sua vontade, como descrito na sentença penal condenatória”.

Na sentença, chama a atenção um posicionamento da magistrada sobre crimes sexuais contra as mulheres. “A despeito dos avanços sociais e tecnológicos e das ondas consistentes de movimentos feministas, a convivência em uma sociedade predominantemente machista ainda é fator determinante para que práticas de dominação sobre as mulheres estejam o tempo todo em voga, sendo o estupro o mais gravoso nesta escala de comportamento pernicioso. A violência sexual contra as mulheres é algo que precisa ser combatido de forma exemplar, não apenas com o fito de fazer justiça nos casos concretos, mas de provocar uma mudança na base da sociedade. Já que as campanhas de conscientização parecem não ter o resultado esperado para redução deste tipo de crime, resta-nos, então, fazer com que a lei seja obedecida pelo medo de sua aplicação na forma mais gravosa e efetiva possível”, explica a juíza Ana Karena.

Sobre os sofrimentos experimentados pelas vítimas de violência sexual, a juíza afirma que a mulher “se sente absolutamente desamparada, temerosa e infeliz, nem sempre sendo possível reverter o gatilho psicológico causado pela dor da violação provocada, ainda que a ela seja conferido o tratamento de saúde mental adequado”. “Há depoimentos consistentes de mulheres que passam a vida tentando superar eventos deste tipo, mesmo tendo o apoio da família e dos profissionais de saúde especializados. Trata-se, portanto, de evento extremamente doloroso, capaz de repercutir para sempre na esfera íntima, familiar e social da vítima, pois tem a capacidade de provocar mudanças no modo como a pessoa estabelece suas relações de confiança”, assinala a juíza, ao reconhecer que a autora da ação tem direito a ser indenizada em R$ 60 mil pela violação sofrida.

O IRBA recorreu da decisão, argumentando que a sentença não considerou que a empresa não era responsável pela tentativa de estupro. O recurso foi relatado pela desembargadora Silvia Zarif, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Sustenta que deu apoio à vítima, tendo enviado funcionários para a delegacia durante a formalização do boletim de ocorrência, fornecido o endereço do técnico de radiologia para intimação e citação, e apresentaram os funcionários que a socorreram para testemunharem na ação penal. 

No acórdão, a relatora também abordou sobre os aspectos dos crimes sexuais que atentam contra a liberdade e o âmago da vítima, “pois extirpa-se, durante o curso do crime, a sua condição de diretor da sua própria existência, impondo-lhe inenarrável injustiça, ao retirar-lhe o direito ao próprio corpo (direito à integridade física e de disposição do próprio corpo) causando gravíssima cicatriz emocional que, tal como afirma a sentença, segundo inúmeros relatos de vítimas nunca ‘sara”’. Ao manter a condenação de 1º Grau, a desembargadora também defendeu que, diante das estatísticas de estupro contra mulheres no Brasil, “atingindo níveis assustadores, cabe ao Judiciário, na aplicação da lei na sua exata medida, sem pecar pela leniência nem pelo cometimento de excessos, buscar contribuir de maneira significativa para combater este mal, fazendo justiça no caso concreto”.

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