Pai do menino Pavesi, morto após retirada ilegal de órgãos, não acredita em prisão de médico condenado: ‘Ele vai fugir’

O pai do menino Paulo Veronesi Pavesi, morto em abril de 2000, em Poços de Caldas, criticou o fato do médico Álvaro Ianhez, condenado a 21 anos e 8 meses de prisão pela morte e retirada ilegal de órgãos da criança, ter sido julgado por videoconferência e não ter se sentado no banco dos réus. O médico foi condenado por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e pelo fato da vítima ter menos de 14 anos.

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, Paulo Pavesi disse que passou mal antes do julgamento e pensou em não participar. Para ter uma melhor estrutura, ele foi para um hotel, de onde deu seu testemunho em Milão, na Itália. Ele vive asilado na Europa após denunciar médicos e autoridades por acobertamento pela morte do filho.

“Não foi fácil, foi muito cansativo, eu passei muito mal durante o dia, ansiedade, estresse, eu passei muito mal, eu pensei em não ir para o julgamento para fazer o testemunho e pensei em até ir para o hospital, mas aí eu consegui me acalmar”, contou Paulo Pavesi.

O pai do menino criticou o fato do julgamento não ter sido aberto à imprensa e a ausência do principal acusado do crime no julgamento.

Paulo Pavesi fala sobre julgamento acusado da morte do filho em Poços de Caldas — Foto: Reprodução
Paulo Pavesi fala sobre julgamento acusado da morte do filho em Poços de Caldas — Foto: Reprodução

“O réu Álvaro Ianhez, o assassino do meu filho, o réu confesso, não está participando do julgamento, está em casa, em outro estado, não está em Belo Horizonte, é a primeira vez que vejo um réu participar de um julgamento do sofá da casa dele, é um absurdo, ele não tem nenhuma defesa, não tem absolutamente nada que desminta as denúncias que fiz até hoje”, desabafou Paulo Pavesi.

O julgamento de Álvaro Ianhez foi transferido para Belo Horizonte a pedido do Ministério Público, para evitar abuso de poder econômico. O julgamento já era para ter acontecido há 10 anos, mas foi adiado por três vezes.

“Álvaro Ianhez tentou duas vezes habeas corpus, depois de conseguir adiar três vezes o julgamento, o tribunal permitiu que ele adiasse o julgamento da forma que ele quis e ele escolheu como ele seria julgado, ele escolheu ficar em casa, ele não quer ir ao tribunal sentar no banco de réus. A única coisa que sobrou para mim era ver sentado no banco dos réus, mas não, ele escolheu responder o processo, o tribunal do júri no sofá da casa dele e o tribunal concedeu, deixou”, disse Pavesi.

“Ele matou uma criança de 10 anos de idade e outros sete pacientes, ele removeu os órgãos do meu filho vivo enquanto ele estava vivo, ele não teve clemência, ele não teve um pingo de sentimento pelo meu filho e agora eu passo a entender tudo que está acontecendo. Ele sabia da impunidade, já estava tudo acertado”, Paulo Pavesi.

O pedido da defesa para que o réu pudesse recorrer em liberdade foi negado devido à “gravidade do crime”, segundo o juiz que presidiu o tribunal. Um mandado de prisão foi expedido contra o médico, que está em São Paulo.

Apesar da condenação, Pavesi não acredita que o médico será preso. “O tribunal sabia que os habeas corpus foram negados e ele sairia preso do tribunal, então por isso, fizeram o acordo para ele ficar em casa. Porque se ele vai, sai o mandado para ele ser recolhido. Ele vai fugir e esperar habeas corpus para dar liberdade para ele responder com recursos de mais 15, 20 anos, em casa”, disse o pai do menino.

Condenação

Álvaro Ianhez, um dos médicos acusados pela morte e retirada ilegal de órgãos do menino Paulo Veronesi Pavesi, em abril de 2000, em Poços de Caldas, no Sul de Minas, foi condenado por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e pelo fato de a vítima ter menos de 14 anos.

A pena é de 21 anos e oito meses de prisão em regime fechado.

A sentença foi proferida por volta das 15h30 de terça-feira (19). A sessão, no Tribunal do Júri, em Belo Horizonte, começou na segunda-feira (18). Ela foi suspensa por volta das 20h e retomada pela manhã.

O pedido da defesa para que o réu pudesse recorrer em liberdade foi negado devido à “gravidade do crime”, segundo o juiz que presidiu o tribunal.

Um mandado de prisão foi expedido contra o médico, que está em São Paulo.

Segundo a denúncia do Ministério Público, Ianhez foi um dos médicos que causaram a morte da criança de 10 anos, que estava sendo atendida no hospital da Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas depois de sofrer traumatismo craniano. O objetivo desses médicos, segundo o MP, era usar os órgãos de Pavesi em outros pacientes.

Médico Álvaro Ianhez (imagem de arquivo) — Foto: Arquivo EPTV/ TV Globo
Médico Álvaro Ianhez (imagem de arquivo) — Foto: Arquivo EPTV/ TV Globo

“Esse resultado é uma gota de alento em um mar de tanta dor, de tanta impunidade”, disse o promotor Giovani Avelar Vieira.

A defesa disse vai recorrer da decisão e que vai entrar com um pedido de habeas corpus para que ele responda em liberdade.

“Nós respeitamos a decisão mas ela é contrária à prova dos autos”, falou o advogado do médico, Luiz Chimicatti.

Depoimentos virtuais

O júri começou com o depoimento da única testemunha de acusação, o pai do menino, Paulo Airton Pavesi. Depois, cinco testemunhas de defesa foram ouvidas.

Por fim, foi a vez do interrogatório do réu. Todas as testemunhas e o réu foram ouvidos virtualmente.

Álvaro Ianhez estava em São Paulo, em endereço particular. Havia testemunhas de defesa em Poços de Caldas, Campinas (SP), Porto Alegre (RS) e Cruzília, no Sul de Minas. O pai de Pavesi estava em Milão, na Itália.

O julgamento foi retomado na terça (19) com alegações da acusação e da defesa.

A acusação abriu a fase de debates, falando por 1 hora e trinta minutos. Por volta das 10h40, a defesa iniciou as alegações. Ainda houve réplica e tréplica.

Em seguida, os jurados tomaram sua decisão. Quatro mulheres e três homens compunham o conselho de sentença.

O que diz a denúncia

Há exatamente 22 anos, o garoto deu entrada na Santa Casa, ainda com vida. Ele morreu dois dias depois, no dia 21 de abril, quando os médicos acusados atestaram sua morte encefálica.

“Essa foi uma das diversas irregularidades ocorridas no atendimento ao garoto, pois, como interessados no transplante de órgãos, havia vedação legal para que eles atuassem na constatação da morte do paciente”, informou o Ministério Público de Minas.

Segundo a denúncia do Ministério Público, Álvaro e outros acusados agiram com intenção de forjar e documentar a morte de Paulo Pavesi para a retirada ilegal de órgãos.

“Ele [Ianhez] é o médico responsável pela retirada dos órgãos. Ele era o médico que era o diretor da Santa Casa onde se fazia o transplante de órgãos. Ele é o dono da clínica onde era feito o transplante ilegal de rim”, disse o advogado da família, Dino Miraglia.

“Ele estava presente desde a hora que em que ele (Pavesi) foi transferido de um hospital para outro sem a menor necessidade e quando anestesiaram o menino pra fazer retirada de órgão. Se o menino estava com morte cerebral, para que anestesiou? Anestesiou porque não tinha morte cerebral. Se não tinha morte cerebral, não podia ter transplante”, completou o advogado.

O julgamento de Álvaro deveria ter ocorrido em outubro do ano passado, mas foi adiado após o médico dispensar os oito advogados que trabalhavam em sua defesa.

O processo dele foi desmembrado dos outros médicos acusados devido a um agravo que deveria ser julgado.

Em janeiro de 2021, outros dois médicos, José Luiz Gomes da Silva e José Luiz Bonfitto, foram condenados a 25 anos de prisão. Já Marcos Alexandre Pacheco da Fonseca foi absolvido pelo júri.

Caso Pavesi

O caso Pavesi ganhou repercussão nacional no ano 2000, quando os médicos José Luis Gomes da Silva, José Luis Bonfitto, Marco Alexandre Pacheco da Fonseca e Álvaro Ianhez foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado de Paulo Veronesi Pavesi, que na época tinha 10 anos.

Paulinho Pavesi morreu aos 10 anos após cair, passar por cirurgia e ter os órgãos removidos — Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal
Paulinho Pavesi morreu aos 10 anos após cair, passar por cirurgia e ter os órgãos removidos — Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal

Conforme a Justiça, os quatro médicos teriam sido responsáveis por procedimentos incorretos na morte e remoção de órgãos do garoto, após ele cair de uma altura de 10 metros no prédio onde morava.

O exame que apontou a morte cerebral teria sido forjado, e o garoto ainda estaria vivo no momento da retirada dos órgãos.

Os quatro negam qualquer irregularidade, tanto nos exames quanto nos transplantes aos quais o garoto foi submetido. O caso foi desmembrado e transferido de Poços de Caldas para Belo Horizonte em agosto de 2014, a pedido do Ministério Público, para evitar a influência econômica e social dos médicos sobre os jurados.

Outros condenados

Outros três médicos acusados de participação no caso, Sérgio Poli Gaspar, Celso Roberto Frasson Scafi e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes, chegaram a ser condenados em 1ª instância em 2014 por participação no caso.

A sentença foi anulada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em maio de 2016, que entendeu que o caso deveria ter sido julgado por um júri popular, e o processo retornou para Poços de Caldas.

Em setembro de 2021, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal restaurou a sentença original que condenou os três médicos. Isto aconteceu porque, por 3 votos a 1, o STF decidiu que o crime de remoção de órgãos não deve ser julgado por júri popular, e sim, pela vara criminal responsável.

No recurso ao STF, o Ministério Público disse considerar que o caso é de competência da Vara Criminal e que, por isso, a condenação dos médicos era válida. O MP argumenta que o crime de remoção de órgãos é previsto na Lei de Transplantes, e que a morte deve ser vista como uma “consequência” no julgamento desse crime específico.

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