Polícia indicia donas e funcionária de escola de SP por maus-tratos, tortura e outros crimes contra crianças amarradas em vídeos

A Polícia Civil de São Paulo indiciou nesta semana as duas donas e uma funcionária da Escola Infantil Colmeia Mágica por maus-tratos, tortura, associação criminosa, perigo de vida e constrangimento contra crianças que aparecem amarradas e chorando em vídeos gravados dentro do banheiro da creche particular da Zona Leste. As imagens viralizaram nas redes sociais, provocando protestos dos pais dos alunos e indignação da população. O g1 revelou o caso em março.

As irmãs Roberta Regina Rossi Serme, de 40 anos, e Fernanda Carolina Rossi Serme, 37 anos, respectivamente proprietárias, e diretora e pedagoga da escolinha, e Solange da Silva Hernandez, de 55 anos, auxiliar de limpeza da creche, foram responsabilizadas criminalmente pela investigação por suspeita de participarem dos castigos às crianças que choravam ou se recusavam a se alimentar.

Até a última atualização desta reportagem, Roberta continuava foragida desde que a Justiça decretou sua prisão temporária, em 22 de março.

Diretora está foragida

Segundo a investigação, além de planejar fugir, ela retirou materiais de dentro da escola para atrapalhar as investigações e ameaçou funcionárias. A investigação já vasculhou mais de 20 endereços à procura de Roberta. Entre os locais verificados estão imóveis ligados a ela, tanto na capital quanto em outras cidades do estado. Quem tiver informações sobre seu paradeiro pode ligar para o Disque-Denúncia pelo número de telefone 181. Não é preciso se identificar.

A pedagoga Fernanda e a auxiliar Solange respondem aos crimes em liberdade.


O g1 não conseguiu localizar as defesas delas para comentarem o assunto. Em seus depoimentos à polícia, as irmãs Serme e Solange negaram as acusações e se disseram inocentes.

A Colmeia Mágica fica na Vila Formosa, foi fundada em 2000 e atende crianças de 0 a 5 anos, do berçário ao ensino infantil. De acordo com a prefeitura, ela funcionou de forma irregular por 16 anos e somente em novembro de 2016 a Secretaria Municipal de Educação deu autorização para o funcionamento.

Inquérito não foi concluído

Roberta Serme é diretora da Escola Infantil Colmeia Mágica — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/Redes sociais
Roberta Serme é diretora da Escola Infantil Colmeia Mágica — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/Redes sociais

Roberta Serme é diretora da Escola Infantil Colmeia Mágica — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/Redes sociais

Apesar dos indiciamentos das três mulheres, o inquérito policial ainda não foi concluído. Faltam os resultados de laudos periciais complementares para serem anexados. Após isso, a polícia fará um relatório final, que será entregue ao Ministério Público (MP) para ele acusá-las ou não pelos crimes. Na sequência, a Justiça decidirá se aceita a denúncia da Promotoria. Em caso positivo, elas se tornariam rés no processo.

Quando concordou com o pedido de prisão contra Roberta, o Ministério Público havia informado que os vídeos das crianças amarradas, as fotos de algumas delas machucadas após saírem da escolinha, e os depoimentos de testemunhas (tanto das professoras quanto dos pais de alunos) que estão com a polícia mostram que os alunos sofreram “intensos sofrimentos físicos e psicológicos”.

No entendimento da Justiça , que decretou a prisão temporária por 30 dias da diretora, as provas demonstram que “há fortes indícios” de que ela esteja envolvida “na prática dos delitos”.

Professoras que trabalhavam na escola disseram em seus depoimentos à polícia que Roberta enrolava as crianças em lençóis, imobilizando seus braços, como se usasse uma ‘camisa de força’, acreditando que com isso elas parariam de chorar. Segundo elas, a diretora não suportava ouvir choros dos alunos.

Nos vídeos que circulam na web, os alunos aparecem presos a cadeirinhas de bebês embaixo de uma pia e perto de uma privada.

Quais são as acusações

As educadoras também contaram à investigação que viram outras punições: algumas crianças, que desobedeciam as regras da direção, eram levadas para um banheiro escuro, sem a presença das professoras. E as maiores eram colocadas em pé por horas na sala de Roberta para “pensarem” sobre o que fizeram.

As professoras ainda falaram que a diretora gritava com funcionárias e com as crianças, que tinham “muito medo” dela. Pais de alunos ouvidos pela investigação relataram que seus filhos iam para a escolinha e voltavam de lá machucados.

As testemunhas disseram que Fernanda, outra dona da creche, sabia dos maus-tratos e outros crimes cometidos contra os alunos, mas a pedagoga era conivente ao ser omissa e não impedir que isso ocorresse.

As educadoras afirmaram aos policiais que, no ano passado, Solange chegou a cobrir o rosto de um bebê de 2 meses com um cobertor, deixando-o sufocado. O garoto acabou internado por dois dias num hospital com dificuldades de respirar.

Polícia apura remédio para dormir e morte

A Colmeia Mágica passou a ser investigada pela Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional depois que os policiais receberam as filmagens por meio de uma denúncia, solicitando que elas fossem apuradas. Não há confirmação de quem gravou os vídeos. A suspeita é de que possa ter sido alguma funcionária da creche descontente com o que viu.

Como há relatos de que a direção da escola dava remédios que causavam sono nas crianças, a polícia investiga se medicamentos foram usados para fazer os bebês dormirem. Segundo depoimentos de testemunhas, a prática seria usada para evitar também que as crianças chorassem.

Comprimidos foram apreendidos pela investigação numa das duas buscas e apreensões realizadas na Colmeia Mágica com autorização judicial. No começo de março, três celulares das proprietárias também foram recolhidos para análise. Sete lençóis que teriam sido usados para amarrar os bebês acabaram apreendidos. Em outro mandado judicial de busca e apreensão, a polícia apreendeu cadeirinhas infantis. Todo o material será periciado.

Heloísa Vitória Teodoro tinha pouco mais de 3 meses quando foi levada às pressas da escolinha até o hospital, onde morreu de parada cardíaca em 2010 — Foto: Reprodução/Redes sociais/Divulgação/Arquivo pessoal/Google Maps
Heloísa Vitória Teodoro tinha pouco mais de 3 meses quando foi levada às pressas da escolinha até o hospital, onde morreu de parada cardíaca em 2010 — Foto: Reprodução/Redes sociais/Divulgação/Arquivo pessoal/Google Maps


A polícia identificou outros casos mais antigos envolvendo a escolinha. Em 2010, uma bebê de 3 meses morreu após ter se engasgado no berçário da creche. O hospital confirmou que ela teve uma parada cardiorrespiratória. O Cerco da 8ª Seccional pediu à Justiça a reabertura deste caso, que acabou arquivado à época.

Em 2014, a mãe de um garoto de 3 anos gravou um vídeo que mostra o filho dela acusando Roberta de arranhá-lo no rosto.Este foi outro caso arquivado.

O que dizem as 3 indiciadas

Antes de fugir, Roberta chegou a confirmar em seu depoimento à polícia que os vídeos foram gravados na sua escola e que as crianças que aparecem lá são seus alunos. Mas negou que as amarrasse ou ordenasse a alguém para amarrá-las. Disse ainda que desconhecia quem teria feito isso. Mas desconfiava que a cena pudesse ter sido montada por alguma funcionária insatisfeita para prejudicar ela e sua irmã. Fernanda também se mostrou surpresa com os vídeos quando foi ouvida na delegacia.

Em outras oportunidades, a defesa das irmãs Serme negou todas as acusações feitas contra as suas clientes. Os advogados confirmaram que os vídeos foram gravados na Colmeia Mágica e que as crianças que aparecem são alunas da escolinha, mas disseram que a cena foi “forjada” para incriminar e prejudicar a direção. E que a “montagem” teria sido feita por alguma funcionária.

O advogado André Dias, que defende as irmãs Serme, falou no mês passado à imprensa que sabe onde Roberta está escondida, mas que ela não irá se entregar até que a Justiça julgue os pedidos para que a diretora não seja presa. Um dos habeas corpus solicitados, feito antes da decretação da prisão dela, foi negado. Outros dois, providenciados após o mandado para que ela fosse presa, ainda não teriam sido analisados.

Em seu depoimento à polícia, Solange confirmou que Roberta orientava amarrar as crianças, mas negou que ela fizesse isso para maltratá-las. A auxiliar não informou se isso era feito no banheiro. Ela ainda declarou que esse prática de amarrar os bebês era para evitar que eles acordassem outros no berçário. Já no seu interrogatório, a mulher afirmou que era pressionada pela diretora e negou que amarrasse os alunos ou que tenha coberto o rosto de um deles com um cobertor.

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